Houve época na história da civilização que somente quem herdava o patrimônio da família era o filho primogênito varão, ou, pelo menos, os principais bens da família ficavam com o filho homem mais velho.
Entendia-se que partilhar o patrimônio da família a enfraquecia economicamente e, via de consequência, a tornava vulnerável em todos os demais aspectos sociais.
O privilégio tem origem religiosa. O filho homem mais velho representava a essência da força e vitalidade humana (Gênesis 49:3; Salmo 78:51).
Com a colonização portuguesa, herdamos as tradições do direito lusitano, este fortemente influenciado pela Igreja Católica. As ordenações do Reino de Portugal vigiram no Brasil até 1917, ano que entrou em vigência o primeiro código civil brasileiro.
Primeiro as Ordenações Afonsinas, vigente de 1446 a 1514, após as Ordenações Manoelinas que vigiram de 1521 a 1595 e por último as Ordenações Filipinas que vigorou de 1603 a 1917.
Apesar da independência do Brasil ainda em 1822, o arcabouço jurídico pátrio ainda era escasso, nascendo a primeira constituição brasileira em 1824, sendo que as normatizações quanto ao direito civil permaneceram sendo aplicadas no Brasil as previsões das Ordenações Filipinas até a entrada em vigência do chamado Código Beviláqua, o qual foi publicado em 1º/01/1916 e, após um ano de vacatio legis, entrou em vigência em 1º/01/1917.
Apesar da influência portuguesa e especialmente forte influência católica na cultura brasileira, o Código Beviláqua já não adotou mais a primogenia quanto ao direito sucessório no que diz respeito à prole concebida dentro do sagrado e legal casamento, já que filhos havidos fora do casamento simplesmente não existiam para o novo direito que nascia com a novel legislação civilista brasileira.
Por outro lado, o Código de 1916 não arrolou entre os herdeiros o cônjuge, figurando este apenas como meeiro, apesar do regime de bens adotado como o regime legal ser o da comunhão universal de bens, regime este que acabava tendo por efeito misturar os patrimônios das famílias com o cônjuge, visto que na condição de meeiro, independente da origem do patrimônio, na morte de um dos consortes metade de todo o patrimônio ficava com o cônjuge sobrevivo e somente a metade que pertencia ao de cujus seria objeto de inventário, indo para os herdeiros necessários, cuja ordem de vocação hereditária colocava primeiro os descendentes e, na ausência destes, para os ascendentes.
A novidade de figurar o cônjuge também como herdeiro e não somente como meeiro surgiu somente em 2002 com a entrada em vigência do novo Código Civil Brasileiro – Lei 10.406/2002 -, quando o legislador, parece que querendo retornar ao passado quanto à manutenção da unidade patrimonial da família e dividir o menos possível o patrimônio, optou em colocar o cônjuge também como herdeiro, concorrendo com os descendentes e com os ascendentes.
A ordem de vocação hereditária está no artigo 1.829 do atual Código e está assim disposto: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Importante referir que embora o legislador não tenha feito referência ao companheiro, o STF, em julgamento ao Recurso Extraordinário nº 878.694, com repercussão geral, declarou inconstitucional parte do art. 1.829, tendo firmado o seguinte enunciado: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”
Alguns autores são críticos ao legislador do atual Código Civil pelo fato de ter colocado o cônjuge como herdeiro, com os quais concordo, entendendo-se que o legislador avançou onde não deveria. Relações pessoais não são formas de se adquirir patrimônio.
Considerando isto, tenho escutado de algumas famílias a preocupação da mistura de seus patrimônios com genros e noras, ou seja, preocupação de pais que construíram patrimônio com seu trabalho e pretendem deixar este patrimônio para seus filhos e que este patrimônio garanta a segurança financeira de sua prole, especialmente quando estes pais não estiverem mais neste plano terreno e em razão do amor que nutrem por seus herdeiros desejam continuar protegendo-os, mesmo após suas mortes.
Os pais não têm como controlar ou intervir, por exemplo, sobre o regime de bens que seus filhos vão optar em suas núpcias, porém tendo a maturidade para pensar a solução do problema ainda em vida, um bom planejamento sucessório tem a potencialidade de blindar o patrimônio objeto da herança que transmitirão, evitando que o patrimônio da família se misture ou seja herdado pelo consorte de seus filhos.
Para que se consiga tal desiderato, o planejamento sucessório recomendável é através da constituição de holding patrimonial familiar, ou seja, a constituição de uma pessoa jurídica e transferência do patrimônio da pessoa física para esta pessoa jurídica com doação das quotas sociais aos herdeiros, sendo que necessariamente para evitar a mistura destas quotas ou do patrimônio da pessoa jurídica com o consorte dos herdeiros, deverá ser lançada cláusula de incomunicabilidade no contrato social da pessoa jurídica, em relação à qual haverá a doação das quotas.
Além da cláusula de incomunicabilidade, também se recomenda que haja previsão de proibição de participação na sociedade de indivíduo estranho ao núcleo familiar, reservando ao quadro social da holding somente aos filhos e, por consequência, excluindo possiblidade de, mesmo na eventual morte do filho, que seu cônjuge herde o patrimônio da pessoa jurídica ou mesmo participe da sociedade.
Torna-se de bom alvitre chamar atenção de que o planejamento sucessório feito por simples doação com reserva de usufruto vitalício em favor dos doadores não tem o condão de alcançar o objetivo sugerido neste texto, visto que o patrimônio doado desta forma formará o patrimônio particular do filho herdeiro e este será herdado por seu cônjuge, em concorrência com os demais herdeiros.
Ainda, a sucessão patrimonial por intermédio de uma pessoa jurídica, também alcança outros objetivos de proteção do patrimônio, já que se sugere também que as quotas sociais doadas sejam também clausuladas com impenhorabilidade e inalienabilidade, evitando-se que, mesmo após a doação e já pertencendo aos donatários, eventual problema financeiro enfrentado por estes comprometam o patrimônio pertencente à pessoa jurídica.
Sendo utilizado esta forma de transmissão do patrimônio aos herdeiros, também é uma forma dos patriarcas continuarem no controle do patrimônio, mesmo após a doação das quotas sociais aos herdeiros, o que não seria possível em uma simples doação com reserva de usufruto dos bens, já que neste caso a propriedade já seria transmitida e os patriarcas perderiam o controle sobre os bens. No caso do planejamento sucessório via holding é possível estabelecer cláusula mandato aos patriarcas com poderes totais de controle, administração e mesmo venda dos bens, não sendo exagero afirmar que mesmo após a doação das quotas sociais da holding aos filhos, os pais têm a possibilidade de permanecerem com poderes de fazer, em vida, o que bem entenderem do patrimônio, inclusive vendê-lo, se assim decidirem.
O planejamento sucessório por intermédio de uma holding patrimonial, além de conseguir os objetivos referidos acima, também alcança vários outros benefícios, especialmente econômicos, já que também evita a necessidade de futuro procedimento de inventário, o qual consome cerca de 20% do patrimônio em custos de imposto, emolumentos cartorários e honorários advocatícios. O planejamento sucessório custa cerca de 80% menos do que o custo de um inventário.
Ainda, nesta espécie de planejamento sucessório, justamente por ser um planejamento, permite ser feito de forma parcelada, ou seja, não se é obrigado fazer, seja a transferência total do patrimônio da pessoa jurídica de uma só vez, podendo ir sendo feito aos poucos, bem como a doação das quotas sociais também não se é obrigado doá-las a totalidade de uma só vez, também sendo permitido que se faça em parcelas e, desta forma, mesmo a despesa sendo bem menor do que a de um inventário, pode ser diluída dentro do tempo de execução do planejamento, diferente também do custo de um inventário, cujo desembolso acaba que sendo quase todo à vista, sem a possibilidade de parcelamento, especialmente o imposto de transmissão.
Desta forma, chama-se atenção que o planejamento sucessório da família é, antes de mais nada, um gesto de amor dos pais para com sua descendência e que transcende a morte, já que um bom planejamento sucessório permite que o patrimônio da família continue protegendo os filhos mesmo após a morte dos pais.